[OPINIÃO] Perdido no labiríntico mundo das netlabels por Daniel Catarino
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O Daniel Catarino é um artista português que edita a sua música através do netaudio. O que leva alguém a escolher esse caminho em detrimento da via comercial com editoras, promotores, agentes, etc.?
Este texto que transcrevo do Beats Play Free apresenta algumas ideias do Daniel mostrando as dificuldades inerentes a cada escolha e os proveitos da mesma.
«Num mundo onde as televisões se gabam por ter maior quota de audiências, em que os programas mais vistos são telenovelas, galas de famosos e outros semelhantes no conteúdo, que esperar de um fenómeno como o das netlabels?
Primeiro que tudo, não o posso considerar um “fenómeno”, antes um mote de união de várias pessoas que, por todo o lado, apregoam a mobilidade da música independente, daquela que não tem espaço nos canais vulgares de divulgação. Se fosse um fenómeno, estaríamos – todos os relacionados com o movimento – empregados, a receber o equivalente monetário ao trabalho que desenvolvemos, apesar de toda a gratuitidade do processo.
Provavelmente muitos não concordam com esta minha opinião, mas a verdade é que da composição à gravação, da edição à divulgação, da construção e manutenção de sites ao design de capas, logos, posters, há muito trabalho envolvido, que acaba por ser pouco ou nada recompensado, seja monetariamente ou no número de interessados (que ainda assim cresce exponencialmente). Não sou um estudioso do “fenómeno”, sou mais um “aproveitador”. Muitos como eu fazem música que não me parece superior ou inferior à maioria dos que ganham dinheiro com a sua edição, e das capas aos posters, das críticas aos sites, não consigo vislumbrar grandes diferenças de qualidade. Já existem inclusive álbuns gratuitos com melhor qualidade de som que álbuns que vendem milhares no formato cd (não é o meu caso, obviamente).
Num sistema – alias, num mundo (deixemos estas teorias da conspiração para os filósofos futebolísticos) que fosse justo, o trabalho de todas estas pessoas seria devidamente recompensado. Seja em dinheiro, reconhecimento da sua qualidade ou interesse das pessoas. Porque me parece justo que a música seja gratuita para os consumidores, mas ao mesmo tempo não me parece justo que estes não recompensem aqueles que lhes estão a oferecer um produto de sua livre vontade. E quanto ao interesse, sabemos bem que o entretenimento fácil, aquele que é produzido com mera intenção comercial e nula visão artística, sempre será mais apelativo que qualquer forma de arte que pressuponha um qualquer envolvimento cerebral do consumidor final.
As netlabels podem ser vistas, na minha opinião, como um novo artista que recebe repentinamente algum sucesso com um álbum de estreia e fica na indecisão de que via a tomar: continuar pobre mas a fazer a música que gosta, ou agarrar-se a estereótipos comerciais e musicais que lhe permitam maior visibilidade e encaixe financeiro? Se a primeira opção não lhe fornecer qualquer tipo de recompensa, acabará por morrer à fome, e aí certamente que nem música fará. Por outro lado, a segunda opção leva a um abismo musical ainda maior, triturando lentamente o lado criativo e artístico, escrevendo canções em cartões Multibanco, em vez do piano ou da guitarra.
Sim, a música deve ser gratuita. Mas também deve ser valorizada como música pelo consumidor, e não ser considerada inferior àquela que pela qual paga.
Mas as netlabels deviam ser auto-suficientes, assim como os músicos e todos os outros que já referi. As cordas da guitarra com que alguém que oferece música irá gravar um novo álbum deveriam ser compradas com incentivos dados por aqueles que gostaram do anterior, parece-me. Este universo labiríntico das netlabels e afins é confuso, e vive – por enquanto – apenas da boa vontade de alguns indivíduos que as sustentam do seu bolso. Se se tornar um fenómeno, talvez aí as coisas mudem. Resta lutar para que isso aconteça.»