quinta-feira, março 17, 2005

[CRÍTICA A CINCO MÃOS] Boards of Canada “Music has the right to children”



:: Visão de Work Buy
Para quem viveu o final dos anos setenta, o som dos Boards of Canada (BoC) é familiar. O porquê é que demora um pouco mais a descobrir, mas depois com um rasgo de memória empoeirada lá vem a televisão com os documentários do National Filmboard of Canada em primeiro plano, a fazer relembrar um mundo há muito esquecido, com águias a cortar um céu em som mono numa ITT Ideal Color.

Os BoC fazem música belíssima, ambiental, densa, por vezes repetitiva e, não raras vezes de difícil entendimento até que a «luz» aparece e a beleza em bruto aparece à nossa frente. De facto, não há ninguém que goste dos BoC e simplesmente não adore a sua música, por outro lado passa despercebida em tantas outras mentes.

Este «Music Has The Right To Children» (MHTRTC) foi o primeiro álbum dos BoC conferindo-lhes alguma visibilidade, já que até esta altura eram um duo (Michael Sandinson e Marcus Eoin) quase invisível, excepto para uma pequena horda de fans (geralmente amigos e família) que os seguiam desde 1987 (“edição” da primeira cassete, «catalog 3»)

A abertura com «Wildlife analysis» coloca-nos à frente, desarmados, do som BoC: uma variação de um loop denso, saturado e simples, extremamente simples como é hábito deste duo. Ainda, sem acabar entra «An eagle in your mind»; A tal águia dos documentários a voar numa reserva índia algures num Canadá com neve, salmões e ursos está perante nós. Apercebemo-nos o quão visuais conseguem ser as melodias dos BoC e quão infantis nos parecem ser. «The color of the fire» (uma referência a uma experiência com drogas psicadélicas de um amigo do grupo) reforça o sentido infantil da música. O som, nesta altura inicial é baseado -sempre- com o mesmo tratamento e esperamos que esgote a fórmula rapidamente. Estamos errados: «Telephasic workshop», «sixtyten» (extremamente pesada e densa), «Turquoise hexagon sun» (uma levitação), «Kaini industries» (uma fábrica -Kainai Cooperative Enterprises- construida numa reserva índia, Blood Reserve, serviu de inspiração para esta pequena faixa), «Aquarius» entre outras contradizem essa ideia.

Entre sonoridades deveras densas, como as que apresentei antes surgem outras que só têm um defeito: o seu pequeno tamanho que nos faz pôr em «repeat» indefinidamente as mesmas faixas. «Olson» é sublime. É a melhor faixa do disco e uma das melhores dos BoC, bem como das minhas preferidas... É um minuto e meio de beleza, paz, intensidade, amor e um por do Sol algures numa praia.

Outras músicas incontornáveis são «smokes quantity» e «one very important thought». Um final consciente a chamar a um imaginário infantil Norte-Americano como muitos de nós temos e desdenhamos em que uma voz televisiva vai dissertando sobre liberdades individuais e colectivas e sobre uma tomada de consciência.

«MHTRTC» é um albúm quase perfeito. A perfeição não cabe aos Homens, mas estes podem tentar. Os BoC fazem música para uma franja de população que se lembra e tem memórias quase cinematográficas, televisivas e infantis. Mais ainda, levam-nos a escavar um passado de há vinte anos e tudo o que o rodeia: desenhos animados, documentários, séries, pessoas, imagens, sons e tudo mais. Daí o vício da nossa descoberta; Deles e nossa.


:: Visão de Serebelo
A música electrónica (como são redutoras estas catalogações...), por estar em grande medida dependente dos avanços tecnológicos, soa-me muitas vezes datada. Esta datação do som que, sem dúvida, também se pode aplicar a outros tipos de música, é, no entanto, pelo carácter inovador desta, aqui muito mais notória. Daí que esta minha dificuldade aqui assumida me fizesse recear que as audições desta obra se manifestassem anacrónicas e não me deixassem dar a esta obra a sua merecida apreciação.

É que a busca de algo mais na música electrónica (será a alma, o Ghost in the Shell, algo que permita transcender o seu tempo?) é um tema recorrente. E eu admito que quando encaro uma obra destas, sabendo que é de 1996, o faço. É que foi por esta altura que o meu interesse nestas músicas de laptop surgiu. Começou com o Nine Inch Nails, que me levaram a Aphex Twin, e através deste descobri o trabalho editorial da Warp e consequentemente estes BoC. Mas admito que se o segundo me despertou e ainda cativa o interesse, já os terceiros não o fizeram.

Portanto uns quase 10 anos depois e este álbum. Audições menos atentas no gabinete e outras ao pormenor no conforto do lar. E sempre a mesma sensação que receava: a de estar a ouvir algo datado.

Talvez seja a repetição dos loops e a sua consequente previsibilidade (“Rue the Whirl”, “Aquarius”). Talvez aqueles interlúdios que me parecem desnecessários e tornam a obra demasiado longa (“Triangules & Rhombuses”, “Wildlife Analysis”) Talvez o facto das estruturas apresentadas, já terem sido trabalhadas ao longe destes anos, por diversos artistas. Talvez seja a minha assumida dificuldade, mas o facto mantém-se: é um disco que ouvi com relativo prazer das primeiras vezes, menos das últimas, mas o qual penso voltar a ouvir não muito em breve.


:: Visão de Escrito
Antes de mais nada convem referir que o estilo de música não é mesmo um estilo que eu aprecie.

Não quero fazer desta análise um massacre e uma avalanche de críticas negativas, porque se calhar apenas apreciadores desta vertente muscial o poderíam fazer. No entanto será sempre difícil escrever de um forma unicamente objectiva.
Trata-se de um disco, na minha opinião, mole e hipnotizante, no sentido em que parece que entramos num transe, num estado dormente e algo embrutecido, de olhos semi-cerrados e condição amorfa.

Confesso que apenas ouvi o disco, num esforço heróico, umas três vezes. Mas fi-lo com atenção. E o que destaco, e acho isso importante, é nada. Ou seja, o disco é consistente e matém uma cadência e progressão uniformes, no entanto não consegui encontrar nada que se destacasse. Nenhum golpe daqueles que entram no ouvido e que ficam. Daquelas sequências que nos “obriga” a ouvir o disco uma outra vez. Nenhum pormenor que nos faça voltar atrás para ouvir de novo.

Num disco repetitivo, que para muitos apenas fará sentido apenas para gerar um determinado ambiente, a primeira vez que o ouvi esperei ansiosamente pela música seguinte, na esperança de surgir uma faixa mais electrizante, ou com uma personalidade que se aproximasse daquilo que procuro quando oiço música. Esperei quase interminavelmente durante várias faixas, e acabei por descobrir que a espera seria infrutífera. Não estava escrito que este disco iria ter alguma coisa que me interessasse e, infelizmente, antes pelo contrário.

Como não gostei nada, julgo que poderei dizer que esta não será uma boa escolha para quem não esteja dentro deste estilo, e penso que muito dificilmente voltarei a ouvi-lo.


:: Visão de CrazyMaryGold
Boards of Canada! Um interessante nome para um tão grande e antigo projecto/grupo da cena electrónica. Antigo porque os BoC começaram em 1976, (é verdade a cepa dos 70’s é belíssima), quando Michael Sandison e Marcus Eoin ainda andavam no liceu.
Passemos ao som: Inteligente, seja lá isso o que for, luxuriante (mas sem malícia, aliás, maldade) e intrigante são três dos epítetos mais vulgarmente usados para descrever o som dos BoC.

E o seu álbum “MHTRTC” editado em 1998, (esse famigerado ano da Expo no nosso país à beira mar plantado) foi, de facto, um marco de viragem na produção destes senhores. Muito, provavelmente, porque a Skam, a sua editora de então, ter assinado a co-produção do trabalho com um label que naquela altura já era poderosíssimo nestas correntes musicais: a Warp. Importa referir que a partir de certo momento, não sei precisar quando, estes dois labels “uniram-se de facto”…desconheço se a “relação” ainda se mantém.

Destaco três faixas do álbum, usando como critério, perdoem-me, meramente, o meu gosto pessoal: "Wildlife Analysis", "An Eagle in your Mind" e "Aquarius" mas todas as faixas são altamente recomendáveis, acreditem se quiserem… desconfio, inclusivamente, que um dos samples usado numa música de hip-hop português chamada “orange” e que tem vindo a ser muito passada nas rádios nacionais, foi sacado deste trabalho mas posso estar enganada!

A pergunta que se coloca nesta altura é a de se terá sido este álbum um trabalho visionário de alguma forma dentro da chamada IDM e música electrónica? Hum, a minha especialidade, dizem alguns, é a sensibilidade…e a sensibilidade diz-me que sim, sim senhora, o “MHTRTC” foi visionário na medida em que com ele se encontraram, pelo menos nestes 2 labels, a convergência de sonoridades, ambiental, chill e muito etéreas com o experimentalismo electrónico e complexidade composicional a que já nos tinham habituado. O “MHTRTC” é possuído de um som acessível mas, lá está, de cada vez que se ouve este álbum há sempre algo que intriga, algo que ainda nos soa a novidade e, nos tempos que correm, isto é algo raro… a partir dele muitas vozinhas de crianças fizeram a sua aparição em trabalhos de música electrónica pelas características que conferem à música e que são inerentes à sua condição: inocência, apreensão, deslumbre com tudo e com todos, mistério e imaginação, portanto, tudo estados e sensações muito próprias de quem ainda acredita mas está à mercê de alguém mais, hum, digamos adulto, seja lá isso o que for…

Justifico o meu título para este post com o seguinte: Sandison e Eoin sempre privilegiaram a utilização de imagens, fotos e filmes nas suas performances ao vivo e o próprio nome de Boards of Canada reporta-nos segundo eles para uma organização de filmes educacionais, The National Board of Canada, que realizava filmes com narrações e “música de fundo”. Nunca vi o conteúdo de um filme desta organização mas suspeito que seja algo do tipo dos documentários que os paizinhos punham no domingo de manhã para entreter a “criançada” enquanto eles repousavam mais um pouco…a televisão, o som e a imagem ao serviço do “regresso dos mortos de sono, parte II”.

Não me apraz dizer, rigorosamente, mais nada sobre o “MHTRTC” porque daqui para a frente desconheço e entraria em fronteiras alheias… O que é sempre de evitar.


:: Visão de Kid Cavaquinho
Porque quem muito espera pelo o próximo cacilheiro e tempo tem para volatizar ideias e por vezes escrevê-las, pôr-me em exercício de fazer uma crítica aos BoC foi bastante fácil.

Estando numa margem e querendo alcançar a outra, reparando nas ambivalências que um rio, neste caso o Tejo, pode ter com o trabalho sonoro dos BoC, o óbvio é que a musica pode ser a terra de ninguém, onde as experiências estão por se definir e só se alcançam relatando uma travessia.

Serei advogado do diabo por barca Vicentina e venho defender que se deva escutar pelo menos uma vez estes senhores músicos. Ora, em pleno Auto-mar que não poderá ser mais óbvio que seja o da Palha, houve quem das fronteiras fizesse delas pátrias e gostasse que as ondas de manso se agigantem, da sonolência mais narcótica à polerização desenfreática das ondas sonoras e desse em doido nas ondinas do Tejo. Pois enquanto esperava a blanco-laranjada barca em espera de prioridade, um longo petroleiro, e talvez dos maiores que possa existir em mare nostrum, se perfilou autoritário durante todo o cd. A proa é a vanguarda, lugar comum das obtusas exclamações. O monocasco é um infintésimo dicromático. Repete-se em sequência quase sufocante, nunca mais o fim, é a substância.

Por fim da abstracção total dos pensamentos, o diabo ja vai bufando de impaciência e o advogado vai com amnésia parcial, e a ré aparece e o posfácio perfila-se.

Já se vê o cais de atracagem, mas também já ninguém se lembra se é pecado ou benção ouvir os BoC. Ai o enfenzado diabo com os olhos arrebitados, ay! mas muito determinado proclama.

O rácio de ouvir este album é positivo, não se fala mais nisso, vamos todos embora.
E um último relance para o navio longo, que se orienta a à sua epopeya pelos os meandros das fronteiras sonoras. Um barco apátrida, com a bandeira do plátano branco. Boards of Canada, será sempre a espuma ou o calmante a estibordo e a bombordo que os bigodes de Salvador Dalí, ou melhor o Diabo enfezado, nunca tiveram.

Manuel Rebelo, assino assim para evitar Inquisições morais desnecessárias pá.

[Boards of Canada "Music As The Right To Children", WARP Records 0000552WAR, 1998]

+info
» Site oficial dos BoC
» Site dos Boc na WARP

 

 

 

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