[REPORTAGEM: netlabel] MiMi
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Um dos fenómenos mais interessantes no mundo da música acoplado à internet foi a expansão exponencial do formato MP3. Se para uns foi a galinha dos ovos de ouro, para outros foi um ataque directo a um bastião onde se movimentam milhões de euros diariamente. Após este fenómeno surgiu um outro em resposta à pressão das tradicionais editoras no campo editorial e na escolha artística, à burocracia própria do mundo dos negócios e à liberdade criativa e monetária: falamos das netlabels. Editoras (nem sempre pequenas) que surgem da ideia de poucas pessoas (sendo as mesmas que as mantêm devido à não necessidade de mais pessoal) e que concentram um conjunto de artistas que acabam por “editar”. As aspas surgem apenas porque a maioria das netlabels acaba por não lançar os discos da forma tradicional para uma loja, no entanto, os MP3 dos artistas estão prontos a serem adquiridos a custo zero (via download), muitas vezes com a respectiva artwork do disco.
Se no mundo o fenómeno é mais ou menos generalizado, em Portugal só encontrámos 4 netlabels. Começámos a investigação na MiMi que conta já com 33 edições (uma delas uma compilação criticada aqui) de (somente) artistas portugueses e japoneses. Fernando Ferreira, à frente a Mimi possibilitou-nos esta entrevista:
OTITES: O que é e como surge a MiMi? Porquê a opção “netlabel” em oposição a uma editora normal?
Fernando Ferreira (FF): A MiMi Records é um dos projectos criados pelo ClubOtaku, uma "organização" estritamente virtual que se dedica à divulgação da cultura japonesa.
A ideia surgiu há já bastante tempo. Nasceu para "satisfazer" dois gostos pessoais - o Japão e a música. Tive a ideia num dia em que assistia a um concerto de música tradicional japonesa - aquando da comemoração dos 460 anos de amizade entre Portugal e o Japão. No final do concerto pensei que poderia contribuir para o estreitamento dos laços entre Portugal e o Japão criando, para tal, um projecto de música "moderna".
Escolhi uma netlabel sobretudo devido a aspectos logísiticos. É muito mais simples e mais imediato. Além disso, acho que o futuro das edições musicais vai passar, em grande parte, pela internet - considero que vai ser a evolução natural do suporte musical (depois das cassetes, os cds e agora a internet...).
OTITES: A Mimi, por força da singularidade que apresenta, tem particularidades próprias? Existe uma filosofia sonora “MiMi”?
FF: A única particularidade/singularidade que a MiMi Records tem, é o facto de editar apenas projectos nacionais e japoneses. Seguimos uma "filosofia" de novas tendências de música electrónica (electrónica, i.d.m., glitch, noise, digital hardcore, experimentalismo).
OTITES:Sentiste alguma dificuldade inerente à construção da MiMi, principalmente no que toca a angariar artistas japoneses?
FF: A dificuldade foi só mesmo o primeiro contacto. Depois disso, tudo funcionou como uma bola de neve. A internet e o algum conhecimento da língua japonesa também ajudaram para angariar artistas. Quando os contacto (japoneses) para possíveis edições, eles ficam muito agradecidos - e alguns até espantados.
Devem achar improvável que alguém no outro lado do mundo goste das coisas que eles fazem.
A certa altura a divulgação da netlabel quase se fez "boca-a-boca". Alguns dos artistas nipónicos que editaram pela MiMi, deram o contacto ou apresentaram-me outros artistas e projectos que possivelmente gostariam de editar. O facto de a netlabel se chamar MiMi também nos ajudou (MiMi significa ouvido na língua dos samurais).
OTITES: Em que características se baseiam para fazer a triagem de artistas que propõem projectos à MiMi?
FF: Como referi anteriormente, a MiMi Records navega nos territórios da música electrónica. Acaba por ser o primeiro ponto de "triagem". Não há mais nenhum entrave à edição. Se os trabalhos me agradam, edito-os.
OTITES:Como é a postura da MiMi face a uma hipotética edição de um artista vosso numa label que edite em CD?
FF: Seria uma enorme satisfação pessoal se que o que mostramos/damos a conhecer às pessoas fosse aceite como sendo de qualidade. Faço votos para que algum dos projectos MiMi seja editado em CD.
OTITES: Conta-me um pouco do teu interesse na música electrónica e experimental. Quando começou, quais as tuas influências nesse campo?
FF: Sempre tive curiosidade pelas sonoridades "diferentes". A electrónica e a música experimental sempre estiveram na minha lista de preferências musicais, por conseguirem satisfazer essa minha vontade de conhecer coisas diferentes. Os anos 80 e o meu primeiro computador (zx spectrum) foram o ponto de partida.
OTITES: Como vês a “cena” da música i.d.m., música electrónica e experimental em Portugal? Qual o papel das netlabels nesse cenário?
FF: Já existe uma "cena" bastante significativa - o exemplo disso são as várias editoras que tem aparecido nestes últimos tempos.
O aparecimento das Net Labels em Portugal também são a resposta para esse crescimento. A Enough Records, Test Tube, e a própria MiMi estão a fazer um excelente trabalho, não só na divulgação de projectos nacionais como de estrangeiros. Acho mesmo que as Net Labels vão ser mesmo o futuro da divulgação musical.
Apesar de já se começar a assistir um maior interesse pelas Net Labels devido a alguma divulgação que tem sido feita quer pelos jornais, netzines ou mesmo blogs como é o vosso caso, não tenho a menor dúvida que rapidamente irão estoirar em Portugal novas netlabels, de estilos musicais completamente dispares.
OTITES: Em Portugal poucos são os nomes conhecidos de artistas japoneses que fazem i.d.m. e música electrónica como Cornelius ou Merzbow.
Pensas que a MiMi pode contribuir para esse conhecimento e intercâmbio, ou está fora desse “campeonato”?
FF: Neste momento ainda estamos numa "divisão" bastante diferente - o nosso campeonato é outro. Temos como objectivo subir aos poucos para chegarmos ao tal "campeonato" de que falas. Para já damos a conhecer o que se faz por lá e por cá. Quem sabe se não conseguimos "vender" alguns para o tal campeonato?
OTITES: Como vês o fenómeno MP3? Partilha de ficheiros para usufruto pessoal ou um ataque aos direitos de autor?
FF: Vejo com bons olhos. Apesar de já estar completamente dominado pelo .mp3, não deixo de comprar edições originais. Gosto de ter a edição "física" nas mãos. Muitas das vezes uso os .mp3 para conhecer novos projectos e depois se gostar compro o original. Vejo o .mp3 como um suporte para os artistas mostrarem as suas criações. Além disso, existem muitos autores que distribuem a sua música gratuitamente como é o caso das Net Labels. A música é para todos :)
OTITES: Uma pergunta ingrata: Qual o disco que mais te agradou no catálogo (já extenso) da Mimi? Não só em termos musicais, como estéticos.
FF: Não queria escolher um, mas sim todos. Todos me agradaram, por isso é que estão na MiMi.
OTITES: Que discos tens no teu leitor e que tens ouvido actualmente?
FF: Nunca ando sem música, por isso ouço muita coisa. Os novos projectos que tem chegado à MiMi para futuras edições e os trabalhos das outras netlabels nacionais e não só, são algumas das coisas que tenho ouvido nestes últimos tempos. Mas também ouço outras coisas por razões que se prendem com trabalho - isto porque faço rádio na RUC (Rádio Universidade de Coimbra).
OTITES: Que futuro auguras à MiMi e quais os projectos imediatos?
FF: Que continue a "dar música" às pessoas. Tenho agendado (como projecto a cumprir a médio prazo) a realização de uma compilação com artistas nacionais - em formato cdr, à semelhança da compilação ( [mi020] - various artists - give the finger to sploiler's disk vol 1 ) editada há uns tempos atrás.
Também não está fora de questão uma edição pessoal na netlabel, vamos ver...
OTITES: Como é que um artista pode mostrar os seus trabalhos à MiMi?
FF: Os trabalhos são normalmente recebidos via correio normal (podem ver a morada no site), em formato audio ou então em .mp3.
Já houve casos de artistas que enviaram um mail (mimirecords@clubotaku.org) com os links dos temas e depois fizémos o respectivo donwload.
OTITES: Resta-me agradecer o teu tempo disponibilizado e pedir algumas palavras que queiras dirigir aos nossos leitores.
FF: Que visitem e ouçam o que a MiMi tem para oferecer. E mais importante do que isso, que nos enviem feedback! Só assim poderemos crescer mais e com melhor qualidade. Só me resta agradecer com um grande arigatou gozaimashita.
Mais informações no site da MiMi.