[DISCO] Antony and the Johnsons "I Am a Bird Now"
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Alturas existem em que tudo o que se ouve é igual. Nada agrada, tudo já foi feito e não vale a pena perder tempo com estas parvoíces. E depois surge algo como isto.
E tudo muda. Já tínhamos falado entusiasticamente deste Antony, aquando da sua passagem pelo Lux. A promessa de conhecer o seu trabalho foi agora cumprida e em boa hora.
Comecemos pelo mais despiciendo, mas que logo prenuncia o que há-de vir: a escolha da capa. Uma fotografia de Candy Darling, estrela de Andy Warhol na cama de hospital, sua última morada, dá a indicação que este não é um álbum comum. No concerto atrás referido Antony tinha referido a importância desta figura e a alegria que teve quando foi autorizado a usar esta imagem, prestando assim sentida homenagem a esta figura. A quem tiver algum tempo para “esta” Candy Darling saltem aqui. Vale a pena, nem que seja para contextualizar a obra que se segue.
A música que se segue. Aqui é que tudo se complica. É que isto está para além de definição. Descrever o que se ouve é, para mim, em casos como estes, sem sentido. Li que a voz de Antony, condensa Nina Simone, com cantores de opereta, com soul, com não sei mais o quê. Eu por mim vos digo, nunca ouvi nada como ele. Existe uma fragilidade em cada tom, uma delicadeza que em qualquer outra voz soaria a falso e nele soa a um mundo inteiro num só tom.
Todos os temas são maiores que a vida. Logo a começar “Hope There’s Someone”. O desespero e a esperança implícita nele raramente tiveram algo como isto para o descrever. Só por este tema deveria ser previsto mais um espaço em qualquer Panteão, para quando a vida abandonar Antony. É o mínimo.
E saber que os restantes temas têm tantas vidas para dar. Seria para mim exaustivo descrever o que sinto por eles. E pior, pecaria por defeito. Não tenham dúvidas, é de paixão que vos falo.
Existem participações dignas de registo que, fosse outro o caso, poderiam desviar a atenção para a obra dessas mesmas figuras, tais como Lou Reed, Rufus Wainright, Devendra Banhart ou Boy George. Mas tal não acontece. É que esta é uma obra maior.
Já há algum tempo que não sugiro um acompanhamento para a audição do que vos falo. Mas aqui o caso é de excepção.
Para ouvir sozinho. Não vejo como partilhar um momento destes com alguém por muito que essa pessoa seja especial. Mas não duvido que exista.
Um vinho cheio, que encha a boca, como o disco vos vais encher o ouvido. Que tal um Quinta Vale de Meão? Admito que a minha carteira não o pode suportar, (em casos destes deveria) por isso aqui ficam outras ideias, Reserva Especial Ferreirinha ou Glória. Não nos preocupemos com as colheitas, são pormenores a mais. Um copo largo, meio cheio, cor rubra à luz duma vela distante.
Todos os vinhos são do Douro, vinhos difíceis de conseguir, mas que possuem neles um encanto raro, uma vida rara que só está ao alcance de poucos. Para degustar só, num prazer solitário. Tanto um como o outro. Um com o outro.
Sítio oficial de Antony and the Johnsons