[Concerto] Antony and the Jonhsons
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Que uma voz possa encher uma sala, não me parece difícil. Não que seja habitual, mas não o é de todo raro. Agora que uma possa preencher o coração de quem a ouve, assim como se fosse natural e não houvesse como não o ser, isso já é bem mais complicado.
Ora de corações só do meu posso falar e assim vos deixo o que ele ouviu, quando ela (a voz) para ele cantou.
Existe uma serenidade na sua colocação, uma tranquilidade na sua vibração, paz no seu tom. Como há alegria de aurículo para aurículo, conforto de um ventrículo para o outro e felicidade que transborda da aorta e enche o resto de mim.
Não há arterial ou venoso, apenas sangue, como não há masculino ou feminino, apenas voz.
Que canta e me encanta. Que pode descrever as coisas mais distantes de mim e no entanto tornar iguais as coisas minhas que nunca serão dela. É que há ligações que até ontem não conhecia, entre certas sístoles e diástoles e outras entoações. Pontos comuns em que uma toca e outro deixa ser tocado, como se da primeira vez, como se tudo fosse então novo. Que outros os tenham tocado, outros como Reed, Nico, Cohen, não hajam dúvidas, mas não como agora, não como desta forma em tudo diferente, mesmo que não o seja, mesmo que sejam partes de tantas outras juntas numa só, mas em si única.
Mas mal sabia eu, que quando uma parasse também o outro o podia imitar. Sabia lá eu que as ligações seriam assim tão fortes... que quando a voz se calasse também o meu coração podia parar.
Saindo da cadeira e vendo-me na confusão daqueles corredores estreitos, entre tabaco como ar a respirar, ruído como tom de conversa, soube que teria de renascer de cada vez que me lembrasse das canções cantadas, dos comentários ditos, dos risos dados por ela. A voz.
A voz de Antony.
O que por lá se passou.
O que ouvimos antes.
Como o vimos antes.